Entrevista“Mãe temos um problema. Achamos que o seu filho tem Síndrome de...

“Mãe temos um problema. Achamos que o seu filho tem Síndrome de Down, sabe o que é isso?”

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Rui e Ana Osório são pais do pequeno Tiago, um menino que nasceu com Trissomia 21 e que, desde logo, iniciou uma luta em conjunto com os pais para alcançar as suas metas. Hoje, com 12 anos, Tiago afirma que, quando for grande quer ser “bombeiro e apagar fogos”. O maior medo dos pais é mesmo no que diz respeito à sociedade, quando afirmam que esta “não quer a diferença não aceita a diferença”.

O EMISSOR foi ao encontro desta família e procurou questionar sobre como tudo começou, quais as dificuldades que enfrentaram e as lutas que ainda travam para ajudar o Tiago a construir o seu futuro, bem como ajudar o próximo a entender que o lugar de quem tem Trissomia 21 (Síndrome de Down) é “nas salas de aula com os colegas, é na faculdade, é nos locais de trabalho, nas discotecas, em todo o lugar”!

EMISSOR: Como é que tudo começou? Quando é que souberam que tinham um bebé com Trissomia 21? Podem contar-nos um bocadinho da vossa história?

Já tínhamos uma filha com 7 anos, a Filipa, quando decidimos ter outro filho.

O Tiago nasceu no dia 11 de junho de 2008 no antigo Hospital de Cascais, parto normal, sem complicações e rápido, tudo como se quer. Sei que não há uma maneira ideal para se comunicar aos pais que o seu filho tem uma deficiência, mas a maneira como me foi comunicada tenho a certeza que é a errada.

Costumo dizer que a pediatra teve a sensibilidade de um elefante numa loja de cristal. Hoje, passados 12 anos, quero acreditar que as coisas estão diferentes, muito pelo trabalho da PAIS21, junto dos profissionais de saúde.

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Como tínhamos a Filipa, que nesse dia ia ter uma apresentação de natação com a escola, o Rui depois de me ver e de ver o Tiago, resolveu ir ver à apresentação da Filipa e, depois, voltava para ela conhecer o irmão.

Passado algum tempo começo a achar estranho o Tiago não vir para ao pé de mim, pois no parto da Filipa passados 30 minutos já a tinha ao pé de mim. Como estava numa enfermaria com mais duas mães que tinham tido os seus filhos depois de mim e já estavam com os seus filhos, começo a questionar as enfermeiras o porquê do atraso e dizem-me que está na incubadora para aquecer. Passado mais algum tempo, entra na enfermaria uma pediatra com outro médico e diz:

“Mãe temos um problema. Achamos que o seu filho tem Síndrome Down, sabe o que é isso?”

E pronto está dito. Como devem de calcular, sozinha e sem o Tiago ao pé de mim, fiquei sem chão, parecia que o mundo tinha acabado.

Começo a chorar e ligo ao Rui a contar e a pedir para vir ter comigo. Foi um turbilhão de emoções.

As 48 horas seguintes foram complicadas, porque o Tiago ficou na incubadora, tinha uma complicação (pâncreas anelar) que só foi confirmada 48 horas depois, o facto de não o poder amamentar e cuidar foi complicado.

No dia seguinte falei com a equipa de enfermagem de como me estava a sentir e foi-me colocado o Tiago junto a mim, método canguru, e fui para uma enfermaria sozinha. Também a equipa de genecologia achou por bem chamar uma mãe que tinha tido uma filha com T21, a Bibá Pita, que veio no dia seguinte falar connosco. Foi muito tranquilizador.

Passadas 48 horas o Tiago é transferido para a Estefânia para ser avaliado e operado. E pronto, já tinha chorado tudo o que havia para chorar.

EMISSOR: Qual foi o vosso maior medo na altura?

Na altura o nosso maior medo foi o desconhecido, não tínhamos nenhuma informação sobre a T21 e tudo nos passa pela cabeça. Será que vai andar, falar, ler…. Hoje dá vontade de rir quando no lembramos disso.

Depois, como o Tiago teve que ser transferido para a Estefânia com 48 horas de vida para ser operado, o nosso maior receio passou a ser que não sobrevivesse à cirurgia. Mas quem passa por uma unidade de cuidados neonatais como nós passámos 19 dias, e vê que em 18 recém-nascidos internados que lá estavam, o nosso filho era o mais saudável, começa a dar importância a outras coisas. Foi uma grande aprendizagem.

“E aí tivemos a certeza que a T21 não é nenhum bicho-de-sete-cabeças”

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EMISSOR: Como é que lidaram com a questão? A quem recorreram para melhor perceberem o que fazer face à Síndrome de Down?

Quando teve alta da Estefânia, foi nos entregue uma folha com algumas entidades que podíamos contactar, na altura fomos ao Cadim era mais perto na nossa zona e também tivemos o apoio na nossa médica de família, que nos encaminhou para a intervenção precoce.

Hoje digo que gostava muito de ter recebido o Kit de Bebé que a Pais 21 entrega nos Hospitais desde 2014 quando nasce um bebé com T21. Quando o Tiago nasceu ainda não havia. É muito importante saber que não estamos sozinhos, contactar com outros pais e partilhar experiências.

Em 2012 fomos a um encontro de Famílias 21 em Coimbra e tivemos o nosso primeiro contacto com a Pais21, que mantemos até hoje.

EMISSOR: Quando perceberam que tinham uma pessoa especial, como é que se foram adaptando face à escola, face ao dia a dia e face às necessidades?

Acho que não há uma adaptação. Fomos seguindo a vida normal, tirando mais tempo em consultas médicas e terapias.

Em relação à creche/escola não tivemos muita dificuldade, pois nessa altura a nossa filha mais velha com 7 anos estava no Externato Nova Oeiras e, ainda na maternidade, recebi uma mensagem da diretora a dizer que o lugar do Tiago estava reservado para quando nós quiséssemos. Foi muito tranquilizador. O Tiago foi para a mesma escola onde irmã andava com 1 ano de vida e onde esteve até ao 4º ano.

De resto sempre fizemos o mesmo que fizemos com a Filipa, o Tiago é escoteiro, anda na natação e, até agora, frequenta as mesmas escolas que a irmã frequentou. A única diferença é a participação nas atividades da Pais21.

 

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EMISSOR: Quais as maiores dificuldades pelas quais passaram?

Sinto que as maiores dificuldades ainda estão para vir, pois enquanto são bebés e crianças tudo corre mais ou menos bem.

“Os maiores problemas pensamos que vêm na fase da adolescência, na vida adulta”

Mas uma dificuldade que encontramos foi o acesso às terapias (terapia da fala, fisioterapia, terapia ocupacional) pois a resposta do serviço nacional de saúde é muito pouca.

EMISSOR: Sentem que existe alguma faceta como sendo mais difícil de lidar?

A vida escolar. Acho que é muito cansativo. Desde que o Tiago saiu do Colégio que nós pais temos que fazer de professores: adaptar as matérias, adaptar trabalhos.

A escola não é inclusiva de todo, só no papel. Ter um aluno com T21 não é só ele frequentar o mesmo espaço escolar e assim dizer que o ensino é inclusivo. Todos os alunos têm que frequentar as mesmas disciplinas fazer parte da turna e estar com a turma, não é ir só a algumas disciplinas.

EMISSOR: Consideram que existem muitas limitações no que diz respeito à escola e à aprendizagem?

O Tiago está agora no 6º ano numa escola pública. Está 100 % em sala de aula com os colegas e tem sido uma batalha, pois temos que estar sempre a provar que o Tiago consegue e a comunicação nem sempre é a melhor.

Ficamos sempre com a sensação que estão a empurrar o Tiago para fora da sala, para as salas onde vão aprender a cozinhar, cultivar etc… Não! A escola tem que ensinar a parte académica, e nós pais, se o entendermos, ensinamos a parte doméstica.

Ou seja, acho que a escola parte sempre do princípio que os alunos com T21 não conseguem e então nem vale apena tentar novas estratégicas, adaptar e antecipar os conteúdos. Essa é a nossa maior luta.

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EMISSOR: Qual a importância da família para quem tem Síndrome de Down?

A família é muito importante para estar constantemente atenta e a lutar pelos direitos que têm e que, muitas vezes, são “atropelados”.

“A sociedade assobia para o lado, pois não é com eles, não é com os deles”

Além disso, para dar voz aos seus direitos e mostrar à sociedade que são capazes se tiverem as devidas oportunidades.

EMISSOR: O que acham que a sociedade deveria de saber sobre a Síndrome de Down?

A sociedade devia de sair da sua zona de conforto, e não enfiar a cabeça na areia. Deviam de saber que o lugar das pessoas com T21 não é nas instituições fechadas e a ocupar os seus tempos livres.

Que o lugar das pessoas com T21 é nas salas de aula com os colegas, é na faculdade, é nos locais de trabalho, nas discotecas, em todo o lugar. Que as pessoas com T21 tem sonhos, desejos como todos e tem direitos e deveres.

EMISSOR: Alguma vez sentiram que existiu alguma discriminação à pessoa com Trissomia 21?

Claro que sim. Chegamos a saber que questionaram a diretora da escola para saber se não seria melhor para o Tiago ir para outra escola, pois assim a professora iria ter muito tempo ocupada com o Tiago na sala. Claro que nunca nos disseram diretamente.

Os olhares na praia quando está a ler um livro ou a nadar. O comentário: “mas ele é tão bonito…” ou “mas não parece nada”.

EMISSOR: Sentem que ainda existe alguma dificuldade de aceitação de crianças com Síndrome de Down na sociedade?

Não temos a menor dúvida.

“A sociedade não quer a diferença, não aceita a diferença”

Acham tudo muito bonito, mas desde que não esteja na turma do seu filho, ou no seu local de trabalho.

Um exemplo é a dificuldade que alguns pais ainda hoje têm é ter vaga em algumas escolas, por exemplo. Algumas que deviam de ser as primeiras a aceitarem a diferença. Outro exemplo é a dificuldade que existe em os adultos com T21 terem um contrato de trabalho.

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EMISSOR: Considera que existe igualdade de oportunidades?

Não, nem pensar. Se assim fosse não tínhamos que “comemorar” o dia 21 de março todos os anos. As pessoas com T21 tem que provar, constantemente, que são capazes, que conseguem e, muitas das vezes, têm que trabalhar o dobro ou o triplo, do que os seus pares.

Ainda se acha estranho que saibam ler, escrever, andar sozinhos nos transportes, que namorem, etc…

EMISSOR: O que esperam para o futuro?

Continuar a lutar para que os direitos do Tiago nunca lhe sejam negados. Continuar a mostrar à sociedade de que tem voz e que é capaz, assim lhe deem as oportunidades.

Esperamos que o Tiago consiga realizar os seus sonhos, trabalhar e ter uma vida independente.

EMISSOR: Que mensagem gostariam de deixar às demais famílias que têm um familiar com Síndrome de Down?

Que não estão sozinhos, não desistam de lutar pelos direitos das pessoas com T21.

Acreditem nas capacidades das pessoas com T21, eles são capazes.

“Façam ao vosso filho com T21 o mesmo que fazem aos outros, dêem-lhe as mesmas oportunidades e as mesmas ferramentas”

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