Em 1835, foi executado o primeiro decreto que estabelecia os cemitérios públicos no país. Desde então, as leis cemiteriais foram sofrendo alterações no que diz respeito à construção e manutenção dos cemitérios bem como à inumação, exumação, transporte, transladação e cremação dos cadáveres. Atualmente, a lei que se encontra em vigor é o Decreto-Lei nº 411/98 que justifica a criação do diploma legal como uma consequência, entre tantas outras, da “clara insuficiência de resposta aos graves problemas que a saturação dos espaços dos cemitérios tem vindo a colocar”[1].
Nos últimos 20 anos, várias foram as notícias publicadas e partilhadas na comunicação social a respeito da sobrelotação de cemitérios de norte a sul de Portugal. Os espaços de enterramento existentes são já pequenos e em número insuficiente, não tendo acompanhado o crescimento da população que cá habita em vida e na morte. É também um facto que, dentro dos limites das cidades, não se encontram espaços verdadeiramente adequados para a construção de novos talhões dificultando, assim, o trabalho das juntas de freguesia e câmaras municipais que são responsáveis pela gestão cemiterial. Mas se o Decreto nº 44220 de 3 de março de 1962 referia, no seu Artigo 20º, a pertinência de plantar árvores, arbustos e espécies herbáceas nos cemitérios, aquilo com que o cidadão se depara nos dias de hoje são espaços de culto que pouco ou nada têm de verde.
Além da inegável sombra e frescura que as espécies arbóreas proporcionam nos dias de maior calor, e da capacidade de insonorização que tanto harmoniza estes locais, as estruturas vegetais são imprescindíveis na decomposição cadavérica. Sem elas, o número de decompositores é drasticamente reduzido e, consequentemente, a esqueletização completa dos indivíduos ultrapassará o pressuposto legal de três anos. Posto isto, fica impossibilitada a frequente reutilização das sepulturas – sobretudo as de carácter temporário – e a falta de espaço de enterramento aumenta.
Considero importante refletirmos sobre a aparente inclinação de que as juntas de freguesia e as câmaras municipais tanto fruem: fugir da Natureza como o diabo foge da cruz. Com o avançar da ciência e o desenvolvimento de estudos tafonómicos, é difícil compreender esta constante dança de manaquim-azul que em nada reconforta os vivos aquando da partida dos seus entes queridos. A crise habitacional parece perseguir-nos até à cova e, visto que os mortos já cá não estão para organizar manifestações, cabe-nos a nós corrigir o que pode – e deve – ser corrigido. Eu cá gostava que o meu futuro T1 tivesse vista para um bonito e imponente cipreste.
Angela Silva Bessa
Comissária Política da Concelhia de Valongo pelo PAN
Investigadora e Professora Universitária
[1] Decreto-Lei nº 411/98 de 30 de dezembro. Estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres. Diário da República n.º 300/1998, Série I-A de 1998–12-30. p. 7251–7257.