Por João Barroso – Coordenador do Gabinete de Estudos da JSD Lousada
Há terras onde o tempo parece correr devagar. Mas em Lustosa o tempo não corre, suspende-se entre promessas e silêncios, como se alguém tivesse esquecido de o acordar. Dizem que Lustosa parou no tempo. Mas não foi Lustosa que parou: foram aqueles que a deviam servir. Foi a Câmara, foram os partidos, foram os responsáveis que fizeram da lentidão um método e do esquecimento uma política.
Quem vive em Lustosa conhece bem a palavra “espera”: espera pelo autocarro que nunca passa, pelo lar prometido e nunca construído, pelo parque que continua a ser apenas um risco num caderno de intenções. A única coisa que não espera é o povo , esse mesmo povo que continua a viver, a resistir e a fazer caminho com os poucos meios que tem.
A falta de transportes públicos é talvez a ferida mais gritante. Quantos jovens, para chegar ao trabalho ou à universidade, têm de atravessar freguesias só para apanhar um autocarro? Quantos idosos se veem isolados, dependentes de boleias, como se a mobilidade fosse um luxo e não um direito? Em pleno século XXI, em Portugal, sair de casa para estudar ou trabalhar é quase um ato de coragem. Será preciso nascer noutro código postal para merecer transporte público?
E não esqueçamos os idosos. Aqueles que deviam encontrar em Lustosa o seu descanso são forçados a terminá-lo longe das suas raízes. A maioria vive em lares de outras freguesias, arrancada das ruas onde cresceu e das terras que cultivou, como se as raízes fossem descartáveis. Cada idoso que sai de Lustosa leva consigo uma casa inteira de memórias.
Sobrevive também o que há muito devia ter desaparecido: a lixeira. Chamam-lhe aterro, mas não é , é uma ferida aberta. E não fere apenas o nariz; fere a memória e a dignidade de quem cá vive. Ainda recentemente foi notícia que o aterro de Lustosa deixara de receber vinte e quatro mil toneladas de lixo vindas de Itália. A Câmara apressou-se a apresentar o facto como vitória, mas a pergunta permanece: porque esteve Lustosa na mira para ser depósito de resíduos estrangeiros? Como se já não bastasse o abandono estrutural, ainda se admite transformar a freguesia em caixote dos outros.
Durante demasiado tempo vigorou entre nós a política do “depois”: depois resolve-se o transporte, depois pensa-se no lar, depois faz-se o parque, depois fecha-se a lixeira. Mas esse “depois” nunca chega. O tempo passa, os anos acumulam-se e Lustosa continua à espera , à espera de decisões, de coragem, de respeito. Fala-se em ambiente nos comícios, mas tolera-se que Lustosa viva com uma cicatriz aberta no território; proclama-se mobilidade verde, mas nem autocarro há; invoca-se coesão social, mas empurram-se idosos para longe das suas casas.
Há, em Lustosa, um símbolo cruel: a Rua da Lameira. Uma freguesia onde tantos sentem o peso do abandono, do isolamento e do esquecimento político tem, ironicamente, no próprio mapa, uma rua que parece resumir o estado da terra. O que se construiu em Lustosa foram promessas afundadas, projetos que nunca saíram do papel, obras que ficaram pelo caminho. O abandono é real e tem cor política. Enquanto se investe em obras de vitrina nos grandes centros, Lustosa permanece invisível no mapa das decisões. É sempre a freguesia do “fica para a próxima”. Mas os povos não vivem de próximas vezes; vivem do agora.
Enquanto jovem, mas sobretudo enquanto filho desta terra, não posso aceitar esta normalização do abandono. Lustosa não pode continuar a ser a “terra do depois”, porque o povo não espera e, no fundo, nunca esperou. Se a política insiste em esquecer, então cabe-nos a nós lembrar.
Hoje, depois das eleições, a pergunta impõe-se com mais peso do que nunca: vamos continuar à espera? É verdade que na Junta vencemos, e isso mostra que o povo acredita. Mas a Câmara manteve-se nas mesmas mãos e, com ela, regressa o receio de que tudo permaneça igual o discurso de proximidade, o tom de promessa e o silêncio institucional de sempre. Contudo, este não pode ser mais um capítulo de desilusão. O povo falou, e falou com clareza. E quando o povo fala, não pede favores: exige respeito. O voto é soberano, mas não é um cheque em branco. Quem governa, governa para todos; e quem vota, vota para ser ouvido, não para ser silenciado.
Há quem diga que estas coisas levam tempo. Mas o tempo não é infinito, nem a paciência das pessoas. Lustosa já esperou o suficiente. Agora, o relógio não pode parar. O “depois” envelheceu, e com ele envelheceu a esperança. É tempo do “agora”: o tempo de cumprir, de ouvir, de fazer.
Não escrevo por ressentimento nem por derrota; escrevo por convicção. Acreditar na mudança não é ingenuidade , é coragem. E se há algo que esta eleição revelou, é que o povo ainda acredita: acredita na força da sua voz, no direito de ser lembrado e na urgência de um futuro que não pode continuar adiado.
O silêncio é o terreno fértil do esquecimento, e nem Lustosa nem Lousada podem ser esquecidas outra vez.
O que se pede não é impossível: pede-se que as palavras se transformem em obras, que as promessas deixem de ser slogans e se tornem compromissos, que o poder deixe de olhar para as freguesias como cantos distantes e as veja como parte viva e essencial do concelho. Lustosa e Lousada merecem mais. Merecem futuro, não adiamento; merecem presença, não desculpas; merecem progresso, não esquecimento.
O povo merece respeito, merece pressa, merece futuro. E um dia, quando olharmos para trás, quero poder dizer que foi aqui, neste momento, que deixámos de esperar. Que foi aqui que a palavra “depois” morreu e nasceu o “agora”. Que foi aqui que um povo cansado de promessas decidiu não desistir de si mesmo.
Lustosa e Lousada não precisam de ser grandes para serem imensas , basta que nunca mais voltem a ser esquecidas. Porque há terras que morrem de silêncio antes de morrerem de esquecimento. E se há algo que esta eleição provou, é que o tempo da espera terminou. Agora é o tempo de agir.