OpiniãoLustosa não pode parar no tempo

Lustosa não pode parar no tempo

Relacionados

Os sintomas políticos em Paços de Ferreira depois das eleições autárquicas

As eleições autárquicas deixaram, em Paços de Ferreira, um cenário político que convida à reflexão. O ato eleitoral terminou, os resultados estão apurados, mas...

Farmácia Solidária: cuidar das pessoas com seriedade e sem desperdício

Em Paços de Ferreira vivem cerca de dez mil idosos com mais de 65 anos. Muitos trabalharam toda a vida, contribuíram para este concelho...

O século XIX, entre o sonho e a razão

O século XIX foi o tempo em que a arte decidiu olhar-se ao espelho. Um espelho partido, porque de um lado via-se o sonho...

Por João Barroso – Coordenador do Gabinete de Estudos da JSD Lousada
Há terras onde o tempo parece correr devagar. Mas em Lustosa o tempo não corre, suspende-se entre promessas e silêncios, como se alguém tivesse esquecido de o acordar. Dizem que Lustosa parou no tempo. Mas não foi Lustosa que parou: foram aqueles que a deviam servir. Foi a Câmara, foram os partidos, foram os responsáveis que fizeram da lentidão um método e do esquecimento uma política.
Quem vive em Lustosa conhece bem a palavra “espera”: espera pelo autocarro que nunca passa, pelo lar prometido e nunca construído, pelo parque que continua a ser apenas um risco num caderno de intenções. A única coisa que não espera é o povo , esse mesmo povo que continua a viver, a resistir e a fazer caminho com os poucos meios que tem.

A falta de transportes públicos é talvez a ferida mais gritante. Quantos jovens, para chegar ao trabalho ou à universidade, têm de atravessar freguesias só para apanhar um autocarro? Quantos idosos se veem isolados, dependentes de boleias, como se a mobilidade fosse um luxo e não um direito? Em pleno século XXI, em Portugal, sair de casa para estudar ou trabalhar é quase um ato de coragem. Será preciso nascer noutro código postal para merecer transporte público?

E não esqueçamos os idosos. Aqueles que deviam encontrar em Lustosa o seu descanso são forçados a terminá-lo longe das suas raízes. A maioria vive em lares de outras freguesias, arrancada das ruas onde cresceu e das terras que cultivou, como se as raízes fossem descartáveis. Cada idoso que sai de Lustosa leva consigo uma casa inteira de memórias.
Sobrevive também o que há muito devia ter desaparecido: a lixeira. Chamam-lhe aterro, mas não é , é uma ferida aberta. E não fere apenas o nariz; fere a memória e a dignidade de quem cá vive. Ainda recentemente foi notícia que o aterro de Lustosa deixara de receber vinte e quatro mil toneladas de lixo vindas de Itália. A Câmara apressou-se a apresentar o facto como vitória, mas a pergunta permanece: porque esteve Lustosa na mira para ser depósito de resíduos estrangeiros? Como se já não bastasse o abandono estrutural, ainda se admite transformar a freguesia em caixote dos outros.

Durante demasiado tempo vigorou entre nós a política do “depois”: depois resolve-se o transporte, depois pensa-se no lar, depois faz-se o parque, depois fecha-se a lixeira. Mas esse “depois” nunca chega. O tempo passa, os anos acumulam-se e Lustosa continua à espera , à espera de decisões, de coragem, de respeito. Fala-se em ambiente nos comícios, mas tolera-se que Lustosa viva com uma cicatriz aberta no território; proclama-se mobilidade verde, mas nem autocarro há; invoca-se coesão social, mas empurram-se idosos para longe das suas casas.

Há, em Lustosa, um símbolo cruel: a Rua da Lameira. Uma freguesia onde tantos sentem o peso do abandono, do isolamento e do esquecimento político tem, ironicamente, no próprio mapa, uma rua que parece resumir o estado da terra. O que se construiu em Lustosa foram promessas afundadas, projetos que nunca saíram do papel, obras que ficaram pelo caminho. O abandono é real e tem cor política. Enquanto se investe em obras de vitrina nos grandes centros, Lustosa permanece invisível no mapa das decisões. É sempre a freguesia do “fica para a próxima”. Mas os povos não vivem de próximas vezes; vivem do agora.

Enquanto jovem, mas sobretudo enquanto filho desta terra, não posso aceitar esta normalização do abandono. Lustosa não pode continuar a ser a “terra do depois”, porque o povo não espera e, no fundo, nunca esperou. Se a política insiste em esquecer, então cabe-nos a nós lembrar.

Hoje, depois das eleições, a pergunta impõe-se com mais peso do que nunca: vamos continuar à espera? É verdade que na Junta vencemos, e isso mostra que o povo acredita. Mas a Câmara manteve-se nas mesmas mãos e, com ela, regressa o receio de que tudo permaneça igual o discurso de proximidade, o tom de promessa e o silêncio institucional de sempre. Contudo, este não pode ser mais um capítulo de desilusão. O povo falou, e falou com clareza. E quando o povo fala, não pede favores: exige respeito. O voto é soberano, mas não é um cheque em branco. Quem governa, governa para todos; e quem vota, vota para ser ouvido, não para ser silenciado.
Há quem diga que estas coisas levam tempo. Mas o tempo não é infinito, nem a paciência das pessoas. Lustosa já esperou o suficiente. Agora, o relógio não pode parar. O “depois” envelheceu, e com ele envelheceu a esperança. É tempo do “agora”: o tempo de cumprir, de ouvir, de fazer.

Não escrevo por ressentimento nem por derrota; escrevo por convicção. Acreditar na mudança não é ingenuidade , é coragem. E se há algo que esta eleição revelou, é que o povo ainda acredita: acredita na força da sua voz, no direito de ser lembrado e na urgência de um futuro que não pode continuar adiado.

O silêncio é o terreno fértil do esquecimento, e nem Lustosa nem Lousada podem ser esquecidas outra vez.
O que se pede não é impossível: pede-se que as palavras se transformem em obras, que as promessas deixem de ser slogans e se tornem compromissos, que o poder deixe de olhar para as freguesias como cantos distantes e as veja como parte viva e essencial do concelho. Lustosa e Lousada merecem mais. Merecem futuro, não adiamento; merecem presença, não desculpas; merecem progresso, não esquecimento.

O povo merece respeito, merece pressa, merece futuro. E um dia, quando olharmos para trás, quero poder dizer que foi aqui, neste momento, que deixámos de esperar. Que foi aqui que a palavra “depois” morreu e nasceu o “agora”. Que foi aqui que um povo cansado de promessas decidiu não desistir de si mesmo.

Lustosa e Lousada não precisam de ser grandes para serem imensas , basta que nunca mais voltem a ser esquecidas. Porque há terras que morrem de silêncio antes de morrerem de esquecimento. E se há algo que esta eleição provou, é que o tempo da espera terminou. Agora é o tempo de agir.

- Publicidade -
- Publicidade -spot_img
- Publicidade -spot_img
- Publicidade -spot_img

Últimos Artigos

- Publicidade -