No ano passado, em 2020, a Eurostat publicou uma estatística onde era possível verificar que 95% dos jovens, em Portugal, utilizavam as redes sociais, sendo que uma pequena percentagem, cerca de 5%, afirmavam a não utilização das mesmas.
Outros países que se assemelham a Portugal são a Noruega e o Chipre, que contam com uma percentagem de 95% no que diz respeito aos jovens que usufruem das redes sociais, a Grécia e a Estónia detêm uma percentagem de 96% e a Dinamarca, a República Chega e a Croácia lideram a lista com 97% dos jovens a utilizarem as redes sociais.
Cada vez mais, no dia a dia, a utilização das redes sociais tem vindo a causar um impacto na vida dos jovens, desencadeando comportamentos como “quadros depressivos e situações de recusa escolar relativos a fenómenos de cyberbulling ou de incapacidade para lidar com o que é visto ou lido nas redes” evidencia Carla Maia, pedopsiquiatra e diretora do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel.
Por forma a perceber melhor em que formatos um jovem se poderá influenciar com as redes sociais, o EMISSOR procurou conversar com uma influencer do instagram, Luana Teixeira, uma jovem penafidelense que incluiu a utilização das redes sociais no seu dia a dia, tirando partido das mesmas e conectando-se, através dos meios, com os próprios seguidores. Segundo a própria “a exposição é um dos principais fatores” que mudaram a própria vida, acrescentando que “é como alguém ter um trabalho comum e que tem certas tarefas diárias, sendo que a minha tarefa é demonstrar o meu dia a dia, através das funcionalidades do instagram”.
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Luana tem 22 anos, é natural de Penafiel e licenciada em Ciências da Comunicação. Hoje, a jovem conta com 15 mil seguidores na rede social “instagram” onde tem como principais temas a moda e o lifestyle que pratica diariamente. A própria refere gostar de “partilhar com os seguidores as experiências de forma a puder dar as melhores dicas”, acreditando que “a melhor parte do trabalho é quando recebo bons feedbacks e quando realizo parcerias com marcas que me identifico muito”.
Por dia, Luana investe 5 horas em gravações e fotografias para a rede social, considerando importante estar “sempre a par das novidades, dos conteúdos que estão em alta e daquilo que os meus seguidores querem ver e isso também envolve tempo, seja através de pesquisa, da realização de sondagens”, e outros meios.
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Foi no sentido da influência e o impacto que esta tem nos mais jovens, através das redes sociais, que o EMISSOR questionou Luana. A influencer concordou sobre a crescente influência que as redes sociais têm tido nos mais jovens, referindo existir “a preocupação com as ideias, crenças e mensagens que transmite serem constantes”, uma vez que esta tem uma noção da diversidade do público que a acompanha.
“A responsabilidade é gigante, sendo que quero transmitir o melhor aos meus seguidores e acima de tudo a realidade, pois nem tudo são espinhos, mas também nem tudo são rosas”
“Ainda que, atualmente, nas redes sociais, todos pareçam ter a necessidade de mostrar só aquilo que é ‘bom’, alimentando a ideia de que a vida é perfeita, não quero fazer parte desse núcleo”, afirma a jovem, acrescentando ter a “necessidade de mostrar o lado real, pois nem sempre estamos bem e isso também faz parte da normalidade”, avança.
Quando questionada sobre a pressão de se incluir nos padrões estipulados pela sociedade, Luana confessa que “sempre disse que me ia manter fiel aquilo que sou e aquilo que gosto, seja fisicamente seja relativamente às minhas ideias”.
“Não vivo para agradar a todos, mas sim para mostrar aquilo que sou, sendo que quem gosta, terei todo o gosto que me acompanhe”
Redes Sociais: uma realidade abstrata
A pedopsiquiatra e diretora do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Carla Maia, evidencia a existência de determinados problemas que acompanham a exaustiva utilização das redes sociais entre os mais jovens, destacando:
- Dificuldades na comunicação com a família;
- Disrupção de padrões alimentares e de sono;
- Fenómenos crescentes de cyberbulling;
- Dificuldades em lidar com a imagem (a própria e a dos outros);
- Nas plataformas, nas videochamadas, quando confrontados com a própria imagem, existe um maior autocriticismo em relação ao corpo;
- Fenómenos de disseminação massiva de conceitos erróneos sobre a alimentação ou hábitos de vida supostamente saudáveis;
- Fenómenos de contágio de comportamentos autolesivos;
Perante o panorama de situações negativas desencadeadas a partir do exaustivo usufruto das redes sociais no dia a dia, Carla Maia dá-nos o exemplo do sentido existente de tempo e controlo, avançando a sensação – “posso parar, avançar ou recuar os vídeos a meu belo prazer, posso visualizar 1001 conteúdos por minuto sem realmente me deter numa visão histórica completa com princípio, meio e fim”, um pensamento que parte de uma informação fragmentada, por parte dos jovens.
A pedopsiquiatra considera como exemplos de comportamentos lesivos na vida dos jovens “a exposição a comentários depreciativos ou comparativos acerca de fotos publicadas”, “a procura insistente, nas redes sociais, de factos sobre os novos interesses de ex-namorados”, “as situações em que pais utilizam os filhos como ‘detetives’ da vida do outro elementos do casal”. Acrescenta ainda que as situações de abuso sexual pela internet, têm vindo a aumentar e as perturbações alimentares por “desafios” existentes na internet estão intrinsecamente ligadas a fenómenos de comunicação das redes sociais.
Um dos maiores problemas que Carla Maia salienta, são evidenciados na personalidade de cada um, considerando que “personalidades mais frágeis (marcadas pela insegurança, baixa autoestima, traços dependentes ou socialmente evitantes) jovens inseridos em famílias com pouca comunicação entre os seus membros, mais facilmente se tornam vítimas de processos de aliciamento”.
“Jovens tímidos e cujo contacto social lhes é desconfortável, mais facilmente aderem a redes sociais que não exigem contactos presenciais, podendo investir muito do seu tempo nesse tipo de relações virtuais que lhes são mais confortáveis”
No que diz respeito à relação estabelecida entre pais e filhos no que às redes sociais diz respeito, é ainda referido pela pedopsiquiatra a importância de evitar situações de “conflitualidade familiar pela dificuldade em gerir os tempos comuns, as tarefas e ainda relacioná-las com as questões do espaço individual/respeito pela privacidade. Os pais têm dificuldades em perceber onde termina a supervisão e começa o controlo invasivo dos filhos”, explica.
Quando os jovens apresentam este tipo de diagnóstico, de acordo com a pedopsiquiatra, quem pede a consulta são os pais “porque procuram os seus médicos de família referindo dificuldades em lidar com os comportamentos de isolamento crescente dos filhos, ou com o seu incumprimento reiterados de normas de uso de tecnologias; outras vezes o pedido manifesto tem a ver com questões do comportamento ou do humor mas que, em consulta, percebemos terem relação (não necessariamente causal) com o uso inapropriado das redes”, avança Carla Maia.
A pedopsiquiatra acredita que os jovens se deixam influenciar “muitas vezes, pela voz de influenciadores fitness com grande número de seguidores (o que os define automaticamente como “autoridades”) que diariamente colocam posts sobre o seu quotidiano (rotinas, exercícios, dietas) e como conseguem manter o seu corpo nesses padrões de “perfeição”, o que os leva a optar pela restrição de alimentos sem fundamento científico, dietas e jejuns intermitentes, colocando a saúde em segundo lugar.
“O fenómeno das “blogueiras fitness” deve merecer um olhar atento pois a informação que transmitem pode ter efeitos nefastos em grupos mais vulneráveis”
Quando questionada sobre a captação de imagens, por parte dos jovens, em situações de violência e partilha nas redes sociais, sem existir qualquer tipo de intervenientes, Carla Maia explica que existem momentos em que o funcionamento psicológico paralisa a intervenção mais “correta e pragmática”, ou seja, o jovem pensa: “o distanciamento protege-me de ser invadido por emoções fortes” e acaba por não se envolver. Outra situação que pode acontecer, segundo a pedopsiquiatra, é a “frieza emocional, como se a repetição da violência esvaziasse do seu conteúdo dramático e a tornasse mais um filme ou uma cena de uma série”, completa.
Em suma, Carla Maia refere ser importante “que as famílias (e as escolas) continuem a priorizar esses espaços para que aconteçam conversas entre jovens conduzidas por adultos responsáveis e cuidadores. Seja durante momentos de refeição, passeios de carro, lanches em família, debates livres nas aulas, é importante que a conversa e a interação aconteça”, acrescentando que “no seu processo de crescimento e transformação (em pessoas autónomas, diferentes de nós mas ancoradas no que lhe fomos capazes de dar), temos que lhes dar segurança e transmitir-lhes que estamos dispostos a ampará-los, ouvi-los, pensar com eles, aprender com eles e conhecê-los melhor”, conclui.