Antes de tudo o mais permitam-me que faça aqui uma declaração de interesses – e de autoproteção até, face à possível interpretação alheia que possa considerar este artigo como contendo qualquer tipo de laivo anticlerical – que considero importante na abordagem de um tema tabu numa sociedade conservadora e muito católica como a Portuguesa. Assim, começo por enfatizar que me assumo como católico, apostólico, romano, com uma educação enraizadamente cristã e que faço questão de dar uma educação desta mesma natureza aos meus filhos. Findo isto, passemos ao cerne do tema.
Somos assolados todos os dias com novos casos de pedofilia na igreja católica. Este crime hediondo, choca-nos ainda mais quando vem da parte de quem é suposto ser o maior baluarte na defesa dos mais indefesos, na defesa da moral, da ética e da justiça, e, porque esses abusadores do clero aproveitaram-se do seu papel de previsível proteção e afeto para se tornarem abusadores.
O que se passará no seio da igreja católica para que, aparentemente, se assista a uma prevalência anormalmente alta de situações de pedofilia? Esta é a verdadeira questão, e não vale a pena “assobiar para o lado”.
Em ciências sociais e humanas, como nas restantes, quando não temos respostas para um fenómeno devemos começar por colocar hipóteses explicativas. Assim, indo de encontro aquilo que é a fenomenologia da problemática da pedofilia, a primeira hipótese que se me emerge é que aqueles padres que se descobrem serem pedófilos, seguem a vocação ou profissão de padres com o objetivo de recalcarem impulsos sexuais pedófilos, na esperança, por certo, que através da igreja consigam mitigar cognições e atos criminosos e pecaminosos, mas que depois se vêm traídos pela natureza da sua perturbação. Negam os seus instintos usando a suposta vocação como escudo protetor.
Sabendo-se que o agressor pedófilo é, frequentemente (nem sempre), uma pessoa a sofrer de uma psicopatologia , por vezes com origem num próprio abuso de que foi alvo, então será legitimo levantarmos uma outra hipótese, a de que muitos dos que seguem a vocação de padre fazem-nos porque foram, também eles, vitimas de abusos sexuais e sentem-se protegidos no quotidiano religioso, ou ainda, que face a uma sexualidade reprimida que não lhes foi possível desenvolver vêm no relacionamento com crianças uma forma de se relacionarem de forma mais fácil, infantil, e sem levantarem suspeitas.
A questão imbrica numa segunda, e que se refere à escolha de métodos de seriação dos candidatos a padres. Muita coisa estará a falhar ou muitas cumplicidades são “cobertura” para que estes padres possam passar pelos “pingos da chuva” ao longo dos anos.
Caberá à Igreja Católica fazer ambos os exercícios: investigar as razões e repensar os métodos de seleção. Ninguém melhor do que o Papa Francisco para o fazer. Longa e saudável vida ao Papa.
No entanto, não nos esqueçamos que a grande maioria dos abusos sexuais sobre crianças não acontece no seio das confissões religiosas. A maioria destes é perpetrado por homens, pais e padrastos e outros com relação familiar com as vítimas.
P.S- Permitam-me os caros leitores uma nota, última, marginal ao próprio artigo. Isto é, impressiona-me, muito, que alguns líderes partidários, candidatos a líderes partidários e alguns pretensos responsáveis políticos locais pretendam fazer uma carreira política, assumirem lugares nas suas concelhias sem nunca se ouvir da suas bocas ou da escrita saída das suas mãos uma única posição sobre os principais temas que afetam uma sociedade, que afetam o concelho, escudando-se na auto e heteroimagem do “peixe grande no lago pequeno” ou do “gato que se vê ao espelho e se imagina um leão”.