OpiniãoOs meninos bons são asneirentos, os maus são bandidos …

Os meninos bons são asneirentos, os maus são bandidos …

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Recentemente fomos confrontados com os excessos de alguns adolescentes, em férias no Algarve, através das notícias da TV e as quais indiciavam que os mesmos se tratavam, ora de adolescentes oriundos da classe média e média alta, ora oriundos do estrangeiro, e também estes de origem social mais favorecida.

E foi enternecedor ver a ausência de intervenção e reação dos setores conservadores, de algumas corporações que noutras situações se mostraram tão ativas e prontas a virem condenar e opinar sobre a degradação da autoridade de estado e dos valores morais da Portugalidade, bem como a não reação dos partidos tradicionalmente zelosos da autoridade e do autoritarismo.

Estes casos permitem verificar, no concreto, que as diferenças de poder e capital, seja económico, social, cultural ou simbólico, fazem toda a diferença na forma como a sociedade e os empresários da moral (pessoas que detêm determinada posição na sociedade em que parte desta reconhece-lhe poder e atribuí-lhe atributos morais que os fazem posicionar-se de forma especial face aos vários fenómenos) reagem. De resto, todos nós somos inseridos neste esquema de pensamento coletivo, fazendo-me este episódio lembrar os meus tempos de criança e adolescente em que “nós”, os “meninos da igreja e da feira”, isto é, os meninos asneirentos, quando éramos descobertos nos nossos atos disruptivos prontamente atirávamos para os meninos da gandarela, os meninos bandidos, as culpas do sucedido. Estes tinham as costas largas e as condições para serem o bode expiatório da comunidade e a profecia cumpria-se naturalmente.

Ora, este tema insere-se no âmbito da problemática do estigma, dos processos de rotulagem e da reação social aos fenómenos sociais e é um dos mais desenvolvidos no pensamento sociológico desde os anos 60 do século anterior.

Isto é, o que assistimos no fenómeno ocorrido no Algarve, por parte da imprensa, de alguns partidos políticos, da sociedade de uma forma geral e de algumas corporações, foi o oposto daquilo que é a reação social habitual para os casos de populações desqualificadas e estigmatizadas.

A questão que urge colocar é como tudo seria se os protagonistas daquelas lamentáveis cenas fossem miúdos negros, da margem sul de Lisboa ou miúdos originários de determinadas etnias!

Seria como é quase sempre.

Esses jovens, alvo de estigma por serem oriundos de meios desqualificados, de características físicas diferentes da maioria dos autóctones são sujeitos a um processo de rotulagem que toma a parte pelo todo e o todo pela parte. Assim, os empresários da moral, através das televisões e redes sociais já se teriam insurgido, para depois virem os empresários científicos (técnicos e académicos) darem explicações e defenderem interesses corporativistas do saber que representam, justificando a necessidade de se contratar mais profissionais da sua área, e com isto o alarme social e o pânico moral estaria lançado. O estigma passaria a ser reforçado e os atributos negativos a que esses jovens estão sujeitos, estariam, agora, supostamente, corroborados pela realidade.

Aliás, Portugal tem no passado recente um exemplo muito claro da forma como este processo, ou esta profecia se vê autorrealizada, e refiro-me a um célebre episódio ocorrido numa tarde de verão na praia de Santo Amaro de Oeiras e ao noticiado e pretenso arrastão levado a cabo por jovens negros da margem sul que, depois, se veio a verificar ser uma construção mediática que em nada correspondia à realidade. Mas, o processo desenvolveu-se tal e qual o aqui referido e ainda hoje muitos pensam ter acontecido. E com isto ninguém está a negar que parte significativa da criminalidade não tenha origem em meios desqualificados, pois, estranho seria que assim não fosse.

Isto é, quando os jovens que cometem atos destrutivos e desviantes são oriundos das classes média alta e alta, o processo de reação social é todo o contrário disto mesmo, e até as imagens mais chocantes não merecem mais do que alguns segundos nas televisões durante um máximo de 2 dias e o espetáculo do “folk devil ” fica-se por aí.

Como diz um amigo meu, “ainda há classes amigo Marcos”

 

Marcos Taipa Ribeiro

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