Há notícias que mudam uma vida inteira em apenas um instante. Podem chegar num consultório silencioso, no olhar preocupado de um médico ou no folhear lento de um relatório clínico. Quando a palavra “cancro” é pronunciada, tudo o que antes parecia sólido treme. O tempo ganha outro peso, o corpo outra fragilidade, e a vida outra urgência.
Mas para quem vive com Deus no coração, esse instante não é o fim é o início de um diálogo novo com o Céu.
Sempre acreditei que a minha vida era guiada por Deus, não apenas nos momentos serenos da fé celebrada, mas naquilo que ela tem de mais íntimo o silêncio, a entrega, o abandono confiante. Como católico praticante, catequista, leitor, acólito e ministro extraordinário da comunhão, aprendi que a fé não é apenas aquilo que proclamamos é aquilo que nos sustém quando o chão se desfaz.
Quando chega uma doença séria, muitos perguntam “Porquê eu?”, mas sinto que Deus nos convida a outra pergunta: “Para quê, Senhor?” Não porque exista um propósito cruel escondido na dor, mas porque até o sofrimento humano pode tornar-se lugar de encontro com Ele. Deus não cria o cancro, mas entra connosco no desconhecido que ele traz. Não afasta a tempestade, mas segura-nos no meio dela.
A verdade é que, antes de qualquer diagnóstico, vivemos numa ilusão de controlo. A saúde diária dá-nos a sensação de que tudo continuará igual. Só quando algo abala essa estabilidade é que percebemos como a vida é frágil e como a presença de Deus se torna ainda mais poderosa. A doença não nos revela apenas o limite do corpo revela-nos também a profundidade do amor divino, que nunca dependeu da nossa força, mas sempre dependeu da Sua.
Há quem diga que receber um diagnóstico destes é como receber um prazo de validade. Mas eu creio que, para quem tem fé, não é um prazo: é um despertar. Despertar para o essencial, para a urgência de amar, para a beleza dos pequenos gestos, para a importância do perdão, para a verdade de que cada dia é uma dádiva e não uma rotina.
E, sobretudo, desperta-nos para Deus.
Porque quando tudo o resto treme, Ele é a única rocha que permanece.
Não faltam momentos de medo. Não faltam noites de angústia. Não faltam lágrimas e Deus nunca pediu que as escondêssemos. Jesus chorou, sentiu medo, carregou a cruz com o peso de um corpo humano. Ele não veio eliminar o sofrimento, mas santificá-lo, mostrando-nos que nenhum caminho difícil é percorrido sozinho.
A fé não transforma o cancro numa leveza, mas transforma o coração numa fortaleza. Não retira a incerteza, mas oferece confiança. Não apaga a dor, mas ilumina-a. Porque quando deixamos Deus entrar plenamente na nossa fragilidade, descobrimos que Ele nunca esteve tão perto.
E no fim, permanece esta certeza:
a doença pode limitar o corpo, mas nunca limita o amor de Deus.
Pode abalar os dias, mas não toca na eternidade que Ele nos promete.
Pode assustar a vida, mas não tem poder sobre a alma que se entrega ao Pai.
Para quem enfrenta o cancro com Deus no coração, a última palavra nunca é medo.
A última palavra é esperança.




