Antes de dissertamos sobre a eutanásia devemos levar em consideração os princípios morais, éticos e religiosos que direcionaram a evolução civilizacional, desde uma simples aldeia, cidade, região ou país ou até, mais simplesmente, quaisquer povos nómadas, pois todos têm os seus conceitos e normas que formataram o arcabouço legal, que vem a ser o embasamento que constitui a legislação básica dentro do ordenamento jurídico.
A moral é passível de variar entre culturas ou até mesmo épocas, mas há uma consciência individualizada em cada povo que persiste, ou seja, o que é imoral num determinado lugar pode não ser num outro. Podemos, por exemplo, exemplificar apontando a poligamia que em determinados países africanos ou asiáticos que professam a religião muçulmana é social e legalmente aceite, como também o é, a eutanásia, tema deste artigo que, todavia, não é aceite na maioria dos países ocidentais. Deixo claro que a moral não é atemporal, pois, com o passar dos anos, um determinado tema pode ter aceitação; ou seja, algo que décadas passadas era considerado imoral, hoje, pode já não ser mais considerado como tal. Exemplo, os biquínis que na década de trinta e quarenta eram considerados aviltantes à moral e aos bons costumes. A ética, por sua vez, representa a reflexão sobre uma moral apresentada e passível de mudanças perante algum evento que modifique radicalmente as crenças e valores pessoais de um indivíduo e de profissões, muito comum na medicina, existindo aqui, por força da evolução científica, uma maior flexibilização.
No contexto filosófico, ética e moral possuem diferentes significados. A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade.
A presente digressão tem por fim demonstrar que, nestes contextos, a eutanásia é de difícil aceitação notadamente nos países cristãos levando em consideração o princípio acima assentado.
Cabe ao médico colocar em prática todos os seus conhecimentos técnicos e tratamentos de forma que evite práticas como a eutanásia. O profissional da medicina tem que honrar o seu juramento e nunca desistir do doente, procurando sempre amenizar o seu sofrimento até os últimos momentos tendo a certeza que não deu causa ao desfecho morte. Afinal o profissional da medicina está presente para esperançar o doente e não para desacreditá-lo, mesmo sabedor que a ciência não o favorece naquele momento, não pode abrir mão de tratamentos paliativos que evite sofrimentos, de forma que venha dar qualidade de vida enquanto essa possa existir. O profissional tem que seguir o princípio da não-maleficência considerado fundamental na bioética, assim sendo, como a eutanásia gera a morte, também o médico está proibido de realizar tal prática.
Esquecer que nesse contexto existe ainda um interesse mercantilista de doação de órgãos e que até o Estado pode ter interesse nessa prática hedionda tendo em vista acautelar os altos custos da manutenção de um doente em estado terminal, é inocência de nossa parte. Temos também de considerar que a eutanásia é um incentivo para algumas famílias que querem, de alguma forma, ver-se livres do encargo de cuidar de parentes em estado de saúde grave.
Casos há que não chegam ao conhecimento público como o da conhecida jovem natural da Dinamarca, Carina Melchior, de 19 anos que estava teoricamente em morte cerebral e os médicos já se preparavam para retirar os órgãos da jovem para doação, seguindo autorização da família, em um hospital de Aarhus (Dinamarca). Só que pouco antes de os médicos iniciarem os procedimentos, a jovem saiu do coma. Dizem os jornais da altura que:
“Jovem sai do coma quando médicos se preparavam para remover órgãos. Este fato ocorreu com uma jovem de 19 anos de idade num hospital da Dinamarca, em que os médicos a diagnosticaram com morte cerebral e a família em estado de desesperança permitiu o procedimento médico para retiradas de órgãos. A sorte dessa jovem foi ter saído do estado de coma pouco antes de se executar tal procedimento, e, diferentemente do diagnóstico médico, foi possível voltar a falar, andar, ter uma vida normal”.
Por essa e outras razões é necessário que enfrentemos essa violência com firmeza.
A religião e as igrejas têm forte influência nas decisões estatais, principalmente, nos temas polémicos que envolvem a vida, como o aborto, eutanásia, estudo com células tronco, entre outros e, em alguns países, tem até grande influência nas decisões do Estado. Não podemos, por isso, deixar a vertente religiosa de lado quando refletimos sobre este assunto.
De acordo com a linha de pensamento religioso, Deus é o único detentor do poder de tirar e dar a vida a alguém, uma vez que somos “à sua imagem e semelhança”. E a prática em questão, o tirar a vida de outra pessoa, contraria os mandamentos sagrados de Cristo. A Igreja posiciona-se veementemente contrária à eutanásia, pois todos têm direito à vida digna e fraterna. Trata-se de um direito absoluto, o direito à vida, que só Deus pode tirar, ou seja, a morte deve vir naturalmente, de acordo com a sua sagrada vontade.
O grande filósofo Santo Agostinho na sua epístola assevera que
“nunca é lícito matar o outro, ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse, porque, suspenso entre a vida e a morte, suplica ser ajudado a libertar a alma que luta contra os laços do corpo e deseja desprender-se; nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver”.
Os argumentos pró eutanásia tratam o tema como sendo uma solução doce, tranquila e misericordiosa. Porém, na minha opinião, isso não passa de uma falácia, pois é algo que explora o medo do sofrimento, solidão e de ser um peso para os familiares diante da morte, e não necessariamente da morte em si. Utilizam-se os argumentos do temor natural de quem se encontra numa situação delicada, apelida-se a prática com um nome socialmente aceite como “morte medicamente assistida” e surge a eutanásia como uma alternativa equivocada, que de fato é drástica e sem volta.
Considero por isso que a eutanásia, ou essa morte doce e tranquila, ou a morte misericordiosa, como por vezes também é apelidada, implica também os meios para provocá-la e a sua decisão. Reparemos que alguém, um médico mas antes de ser médico é também uma pessoa com as suas crenças e ideologias, terá de decidir que determinada pessoa, doente, e com fundamentação em dados necessariamente relativos, irá deixar de viver num determinado momento, passando assim a legitimar de forma imediata todos os que padecem de doenças similares, incuráveis naquele
momento ou não, prefiram esse tipo de morte a prolongar o seu tormento por eventuais períodos de sofrimento.
O pedido para morrer é, antes, um pedido de socorro de alguém que não recebeu todo o apoio necessário, especialmente do ponto de vista psicológico e paliativo. A eutanásia não é a solução; ela é um grande risco para eliminar algo tão importante e fundamental na medicina, como os cuidados paliativos. A maior parte dos oncologistas e profissionais que lidam com pacientes terminais é contrária à eutanásia, e isso, per si, deve levar-nos a uma maior reflexão.
Este é o meu entendimento.