OpiniãoPobreza energética: o que é e como nos afeta?

Pobreza energética: o que é e como nos afeta?

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Vivemos atualmente tempos de incerteza a nível energético onde a descarbonização, descentralização digitalização são paradigmas relevantes para um sistema energético mais justo e democrático. Observamos uma preocupação crescente relativamente à dependência energética dos países europeus face à Rússia, trazendo um clima de instabilidade quer a nível de preços quer a nível de reservas que implicam alterações fortes na maneira como consumimos energia, e consequentemente, na nossa qualidade de vida.

Todavia, Portugal já vivia um paradigma energético preocupante do lado da procura de energia e conforto térmico, ainda antes da invasão da Rússia à Ucrânia. Apesar das pessoas saberem a exigência económica que é ter uma casa confortavelmente aquecida no inverno, a consciência do que é a pobreza energética e como afeta milhões de portugueses é mais limitada. A pobreza energética é um problema complexo de várias dimensões que depende fortemente do contexto. Segundo a comissão europeia, este é um problema que nas suas variadas dimensões, afeta mais de 100 milhões de europeus. Podemos entender pobreza energética como a incapacidade das famílias assegurarem as necessidades básicas de serviços de energia (aquecimento, arrefecimento, iluminação, etc.) nas suas habitações a preços acessíveis e é causada pela combinação de baixo rendimento, preços altos da energia e ineficiência das habitações e/ou equipamentos domésticos.

Portugal, apesar de ter um clima ameno mediterrâneo, encontra-se no topo dos países europeus com maior dificuldade em manter a casa devidamente aquecida. Quando analisamos algumas das vertentes promotoras desta situação e as suas consequências mais diretas, percebemos que Portugal tem mais de 70% das habitações com baixa eficiência energética (classe energética C ou inferior); tem 25% da população a reportar que vive em habitações com infiltrações, humidade e decomposição (Eurostat, 2022), é o país da União Europeia com mais percentagem de crianças (51%) com risco elevado de viver em habitações com más condições de saúde e que 80% dos portugueses considera que precisaria de aumentar o seu consumo energético para conseguir manter uma temperatura adequada na sua habitação.

Entender este problema vai além de perceber os custos económicos associados. A pobreza energética traz fortes consequências sociais, ambientais, saúde e económicas e são os mais vulneráveis, como idosos, crianças são quem potencialmente sofre mais com este problema. O isolamento social, problemas cardiovasculares e respiratórios são exemplos das consequências que a pobreza energética gera, mas, ainda assim, não existe tanta consciência sobre estas consequências e o papel da qualidade habitacional que leva os portugueses a terem de optar por camadas de roupa para se manterem quentes em vez de aquecerem a sua habitação.

É de notar que a pobreza energética não acontece só na dificuldade de aquecer a habitação no inverno, mas também está na dificuldade em arrefecer a habitação durante os dias de maior calor, ter energia para confecionar refeições ou iluminar a casa. Recorrendo a indicadores normalmente utilizados, estima-se que entre 1.9 e 3 milhões de Portugueses sejam vulneráveis à pobreza energética.

A pobreza energética foca-se em compreender não só os “pobres”, ou seja, quem é afetado mais drasticamente pelo problema, mas também, a vulnerabilidade a essas situações e causas. Sendo assim, existem já várias iniciativas quer a nível europeu quer a nível nacional para consciencializar e mitigar este problema. Exemplo disso é o Energy Poverty Advisory Hub (EPAH), uma iniciativa da comissão europeia que agrega o Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade NOVA Lisboa, especialista na matéria em Portugal. Esta iniciativa tem vindo a dar especial apoio aos governos locais, promovendo a sua capacitação nesta área, dando apoio técnico especializado e disseminado soluções inovadoras para mitigar o problema em cada localidade. Atualmente, pode já ser consultado um relatório onde se apresenta, diferentes iniciativas europeias inspiradoras e um atlas que agrega mais de 200 iniciativas para combate à pobreza energética no mundo.

Além disso, o EPAH está também associado ao Pacto de Autarcas, uma iniciativa europeia que conta com mais de 7000 municípios para compromissos relativos a energia e clima. Esta iniciativa tem um forte papel em ativar governos locais a contribuírem na adaptação dos impactos das alterações climáticas e a assegurar que os munícipes terão acesso a energia segura e acessível que, como já referido, está relacionado com a pobreza energética.

Paços de Ferreira, ao contrário de outros vários municípios da região do Vale do Sousa, não integra o Pacto de Autarcas e, até ao momento, não há publicação de nenhum plano ou iniciativa que reconheça como os pacenses são afetados pela pobreza energética ou soluções transversais que contribuam para a sua mitigação. Contudo, a pobreza energética está significativamente presente no município e um estudo da NOVA Lisboa, que desenvolveu um índice de vulnerabilidade à pobreza energética (IVPE), coloca Paços de Ferreira nas posições 156 e 158, em 308 municípios, relativamente à sua vulnerabilidade ao aquecimento  no Inverno e arrefecimento no Verão, respetivamente.

Desta forma, reconhecer e compreender o problema é um passo importante para erradicar a pobreza energética e, continuamente, entender o papel importante de organismos locais em identificar e/ou propor soluções que não deixam ninguém para trás, o lema da ONU para a Agenda 2030.

Salomé Bessa e João Pedro Gouveia

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