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Sexta-feira, Dezembro 12, 2025
OpiniãoPagar pelo desempenho na saúde: estamos a trabalhar melhor em Portugal?

Pagar pelo desempenho na saúde: estamos a trabalhar melhor em Portugal?

Continuamos presos a uma ideia preguiçosa: quem trabalha mais deve ganhar mais. No Serviço Nacional de Saúde (SNS) isto traduz-se em horas extra e uma avalanche de atividade – e, muitas vezes, não conseguimos ver ou medir os resultados clínicos. Esta lógica, aplicada de forma cega à saúde, é um desastre. É uma má política de economia e, pior ainda, má prática clínica.

É precisamente aqui que vale a pena debruçarmo-nos sobre pay for performance (pagamento pelo desempenho). Existem vários textos recentes, nomeadamente de Pedro Pita Barros, que insiste numa distinção que devia ser obrigatória em qualquer reforma remuneratória: há incentivos para participar e há incentivos para desempenhar. Os primeiros servem para atrair e reter profissionais – por exemplo, pagar mais para fixar médicos em zonas carenciadas, como o interior do país – e, por esse motivo, têm de acabar por entrar na remuneração “normal” dos profissionais. Já os segundos incentivos, estão ligados a resultados e são, por natureza, variáveis e (in)certos.

No discurso político fala-se de “valor em saúde”, mas quando chega a altura de falar em mérito, qualidade ou mostrar resultados, regressa-se à contabilidade do costume: mais cirurgias, mais consultas, mais urgências, mais médicos de família… Como o próprio Pita Barros assinala numa análise ao programa do XXV Governo Constitucional, a retórica é a de gestão por ganhos em saúde, mas continuamos a contabilizar o volume de atos.

Em teoria, pay for performance seria a passagem civilizada e intencional de “pagar horas” para o “pagar resultados”. Em vez de remunerar quem faz mais consultas, pagaríamos melhor a quem consegue reduzir a doença ou o problema, ou mesmo evitar o internamento. Em Portugal, essa lógica materializou-se sobretudo nos cuidados de saúde primários, com a introdução de incentivos associados a indicadores e metas de qualidade, reconhecida e estudada internacionalmente

A expectativa das Unidades de Saúde Familiar (USF) era clara: melhor qualidade, maior eficiência, melhor acesso, maior satisfação e consequentemente ganhos em saúde para a população. Na prática, a própria síntese desses trabalhos admite dúvidas sobre a efetiva capacidade do modelo para entregar estes resultados e sublinha o risco de efeitos inesperados ou adversos. Porque na realidade, há sorte e azar! Há situações em que o esforço do profissional, não se materializa em melhor estado de saúde e outras em que, com pouco esforço, os resultados melhoram por razões externas.

Quando a ligação entre esforço e indicador é tão imperfeita, o pagamento por desempenho passa a ter um componente aleatório significativo. Não estamos só a pagar desempenho; estamos também a pagar sorte (é verdade!).

O ponto de chegada é incómodo, mas inevitável: trabalhar mais não é tratar melhor, e pagar mais porque se trabalha mais é, no limite, uma confissão de incompetência na forma como desenhamos carreiras e incentivos.

O erro de fundo, em muitos debates sobre remuneração na saúde, é pensar que basta “acrescentar incentivos” em cima de um sistema completamente disfuncional e desproporcional em Portugal.

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