Vivemos como se a vida fosse um recurso inesgotável. Acordamos, vamos trabalhar, comemos, bebemos, festejamos e seguimos o ritmo dos dias sem grandes sobressaltos. Quando estamos bem sem dores, sem limitações, sem ameaças acreditamos quase instintivamente que assim continuará. A saúde dá-nos essa ilusão de permanência.
Mas basta um momento para tudo mudar.
Um mal‑estar estranho. Uma dor que não passa. Um exame que se faz “apenas por precaução”. E, de repente, a notícia que ninguém quer ouvir: “tem cancro”. É como se, naquele instante, nos carimbassem um prazo de validade invisível. Uma data limite, mesmo que incerta, que até então nunca tínhamos imaginado ter.
Nesse momento, o mundo encolhe. A rotina deixa de importar, os problemas do dia‑a‑dia tornam‑se ridículos, e a mente é invadida por uma pergunta tão humana quanto angustiante: E se eu não tivesse feito o exame? Como estaria agora? Continuaria a viver na ignorância, a festejar, a comer e a beber, como se nada estivesse a acontecer?
A verdade é que, antes do diagnóstico, vivíamos convencidos de que tínhamos tempo. Depois dele, percebemos que nunca o tivemos garantido.
E é aqui que se revela a ironia da existência saber pode assustar, mas não saber não nos protege. Apenas nos mantém numa ilusão confortável. O cancro ou qualquer doença séria já lá estaria, quer o víssemos ou não. O exame não inventa a realidade; apenas a revela.
O choque do diagnóstico não é apenas médico é existencial. Obriga-nos a olhar para a vida com uma gravidade nova e, paradoxalmente, com uma clareza luminosa. Passamos a valorizar o que realmente importa, a seleccionar aquilo que merece o nosso tempo e a nossa energia, a apreciar o que antes tomávamos por garantido.
Talvez o grande drama não seja receber um “prazo de validade”. O drama é perceber que ele sempre existiu e que só agora o vemos escrito.
A vida é finita. A diferença está em saber ou não quanto desse tempo pode ainda ser nosso. Mas, com diagnóstico ou sem ele, a única verdade que permanece é esta cada dia vivido com consciência, amor, gratidão e coragem vale infinitamente mais do que anos vividos em piloto automático.
E talvez, no fim, seja essa a lição mais dura, mas também a mais libertadora.




