Há dinâmicas que se percebem melhor no silêncio do que nos comunicados. E há decisões que, tomadas à margem da transparência, acabam por dizer mais sobre uma estratégia do que qualquer plano oficial.
Nos últimos tempos, tem-se notado um movimento discreto, quase oficioso, para recentrar os fluxos de alunos nas escolas secundárias, como se a formação profissional fosse um anexo dispensável do sistema educativo. Aparentemente, tudo é feito em nome da “racionalização”, da “otimização de recursos” e da “melhor articulação com as autarquias”. Mas quem conhece o terreno percebe que, por trás destas palavras, se esconde algo mais profundo: uma tentativa de reduzir o papel das estruturas especializadas e das entidades formadoras externas, transferindo para as escolas o protagonismo e os alunos e, inevitavelmente, os financiamentos.
O problema é que essa reconfiguração tem consequências muito mais amplas do que se quer admitir. Ao afastar da formação aqueles que durante décadas a sustentaram com experiência e conhecimento técnico, não se está apenas a mexer em organogramas: está-se a desmantelar, peça a peça, uma rede de apoio que integra empresas, técnicos, formadores e programas de requalificação profissional. Milhares de entidades que hoje colaboram nesse ecossistema correm o risco de se tornar completos ‘outsiders’ de um sistema cada vez mais fechado sobre si próprio, um sistema que, ao concentrar tudo nas escolas, empurra para a Segurança Social os recursos humanos que ficam para trás, sem resposta, sem reintegração, sem rumo..
É curioso que um modelo que, durante décadas, serviu de espinha dorsal às políticas ativas de emprego e à qualificação de pessoas esteja agora a ser tratado como um entrave à “modernização”. Não é um problema, é parte essencial da solução. É ali que reside o verdadeiro conhecimento técnico, a ligação às empresas e a capacidade de adaptar a formação às necessidades concretas do mercado de trabalho.
Houve tempos em que estas estruturas se distinguiam também pela solidez das suas lideranças, figuras que deixavam marca pela serenidade da autoridade e pela clareza dos resultados alcançados. Eram épocas em que o compromisso com o interesse público se sobrepunha a qualquer cálculo pessoal, e em que o reconhecimento se conquistava pelo mérito, não pela conveniência. Pessoas que compreendiam que a verdadeira autoridade não se afirma pela imagem, mas pela presença no terreno, junto das equipas, das empresas e dos formandos. Havia, então, uma noção clara de missão pública: servir o país.
Hoje, quando a subserviência parece valer mais do que a competência e o silêncio é confundido com lealdade, torna-se urgente recordar o valor do que não se vê: o trabalho sério, coerente e comprometido que, tantas vezes invisível, é o que mais falta faz quando finalmente desaparece.




